JUSTIÇA DO OUTRO MUNDO - Prova ou Patifaria

Seja como for, a polêmica em torno do tema não é infundada. Muito pelo contrário. Afinal de contas, casos de picaretagem e charlatanismo povoam os jornais diariamente, e os meios religiosos não estão imunes a este mal. Nesse sentido, ao lidar com provas supostamente fornecidas pelos espíritos das vítimas, todo cuidado da Justiça é pouco. Um ponto crucial é: como definir a autenticidade de uma carta psicografada? Para Zalmino Zimmermann, juiz federal aposentado e presidente da Associação Brasileira dos Magistrados Espíritas (Abrame), “primeiro é preciso avaliar o conteúdo da mensagem, se fornece dados precisos, detalhes pessoais, e se há rigor na descrição dos fatos. Em seguida, deve-se avaliar a reputação do médium, sua idoneidade moral e o trabalho que desenvolve”. A relevância do currículo de médium é reforçada pelo juiz Orimar de Barros. “Se não se tratasse de uma psicografia de Chico Xavier, que eu sabia ter um trabalho pautado pela seriedade, eu não teria dado credibilidade àquela mensagem”, diz.

A falta de qualquer um dos elementos “anti-fraude” citados acima aumenta ainda mais o levantar de sobrancelhas por parte do meio jurídico. Um caso recente ocorrido em Porto Alegre (RS), em maio de 2006, é um exemplo. A ré, Iara Marques Barcelos – acusada de ser a mandante do assassinato do tabelião Ercy da Silva Cardoso –, foi inocentada com base em uma carta psicografada por um médium desconhecido nacionalmente. A decisão recebeu críticas ferrenhas dos magistrados em geral, sobretudo pela falta de referências minuciosas e pela existência de erros na grafia dos nomes dos acusados no documento.

A Justiça, claro, não costuma esbarrar diariamente na esfera espiritual em suas decisões corriqueiras. E muito pouco é sabido sobre processos similares fora do Brasil. De acordo com Valter da Rosa Borges, promotor de justiça aposentado e autor do livro A Parapsicologia e suas relações com o Direito, “esses casos são esporádicos, e ainda não têm repercussão consistente no mundo jurídico. Ao contrário, são vistos com cepticismo e hostilidade”. Para os que enxergam esse tipo de caso com outros olhos, o próprio sistema judicial é que deveria ampliar o seu campo de visão. “Como seres humanos que são, os juízes não podem ser estritamente materialistas, eles precisam ser humanistas”, afirma Orimar de Barros.

Se a Justiça vai algum dia estabelecer definitivamente a psicografia como um recurso válido é uma questão que certamente demorará a ser respondida. À época do caso do jovem Maurício, quando incitado a respondê-la, Chico Xavier disse: “Eu creio que uma pergunta desta deveria ser endereçada às autoridades do Poder Judiciário, e não a mim que sou apenas um pequeno companheiro de nossas experiências do dia-a-dia. Agora, falando do ponto de vista não apenas de espírita, mas também de cristão, eu me recordo de que o ponto básico da doutrina cristã é o da ressurreição de Nosso Senhor Jesus Cristo. Isto é, Nosso Senhor Jesus Cristo venceu a morte e nos deu a mensagem da Vida Eterna. Então, como cristão eu acredito que se a mensagem de alguém, que se transferiu para a Vida Espiritual, demonstrar elementos de autenticidade capazes de interessar uma autoridade humana, essa mensagem é válida para qualquer julgamento”.


Texto publicado no Especial
"150 anos do Espiritismo" Volume 1 (pág. 56),
do Almanque Abril, da Editora Abril.

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