LIVRO ESPÍRITA : SUCESSO ASSOMBROSO


Polêmicas à parte, a literatura espírita caiu no gosto popular e conquistou definitivamente seu lugar ao sol. “Antigamente havia certa resistência às obras espíritas nos pontos de venda, mas, de alguns anos para cá, elas vêm ganhando espaço de destaque na exposição em muitas livrarias”, afirma Ary Dourado, presidente da Adeler. Mas o que estaria por trás desse vigor impressionante?

O fator socioeconômico pode ser um dos elementos. Segundo o último censo do IBGE, de 2000, o Brasil conta hoje com 2,3 milhões de espíritas. É um público letrado, adulto (média de 35 anos) e, em geral, com boa situação financeira. Entre as religiões com maior número de fiéis, como católicos e evangélicos, os adeptos do Espiritismo apresentaram os melhores indicadores, tanto de escolaridade (98,1% são alfabetizados), como de rendimento: 8,4% deles ganhavam mais de 20 salários mínimos quando foi realizado o censo, enquanto entre o total da população esse número foi de apenas 2,7%.

O forte sincretismo religioso no Brasil seria outro elemento. De fato, quando o assunto é vendagem de livro, o Espiritismo extrapola as fronteiras de seus seguidores: calcula-se que haja cerca de 30 milhões de simpatizantes da doutrina no país. “O Espiritismo brasileiro apropriou-se positivamente da noção católica de caridade, o que redefiniu seus limites e objetivos, conquistando a simpatia de muitos católicos”, afirma o antropólogo Bernardo Lewgoy, autor do livro O grande mediador – Chico Xavier e a cultura brasileira (Edusc). Para ele, essa capitalização do intercâmbio inter-religioso foi impulsionado sobretudo pelo trabalho de Chico Xavier, a partir dos anos 1940.

E foi justamente por meio da psicografia, ou seja, da literatura, que Chico Xavier encontrou o melhor veículo para propagar suas idéias. De acordo com Lewgoy, com os 412 livros que psicografou, o médium mineiro estabeleceu um conjunto de referências e parâmetros para a escrita espírita no Brasil. A começar pelos direitos autorais, que reverteu integralmente para instituições de caridade, num ato registrado em cartório. Chico costumava dizer que não escrevia nada. “Ele realizou, como nenhum outro médium, o ideal de uma ‘interautoria’, isto é, uma parceria autoral entre psicógrafo e espírito”, diz o antropólogo. Com o caminho aberto pela popularização de suas obras, novos autores foram surgindo e seguindo os passos do mestre.

Para o jornalista e escritor Marcel Souto Maior, autor de uma trilogia sobre Chico Xavier que já vendeu mais de 300 mil exemplares, o Espiritismo atrai leitores à procura de respostas para o processo de crise que o mundo atual vive. “A depressão é o mal do século. E há um ocaso das correntes religiosas tradicionais”, afirma Marcel. No entanto, Souto Maior não vê associação entre a popularização do Espiritismo e o fenômeno dos best-sellers de auto-ajuda. “Esses livros apontam soluções fast-food. O Espiritismo exige mais responsabilidade”, diz.

Chave da esperança
Para muitos, contudo, é no conteúdo esperançoso das mensagens que está a chave do sucesso da literatura espírita. “Creio que esse êxito se deva à necessidade premente que, atualmente, o ser humano tem de encontrar um pouco de paz”, afirma Armando Antongini, diretor executivo da Câmara Brasileira do Livro. “Diariamente, e em toda a mídia, nos deparamos com toda sorte tragédias e violências. O público busca nas obras espíritas, e religiosas em geral, por um caminho que dê alguma esperança ao homem.” Os espíritas concordam com essa visão. “As mais belas notícias que um ser humano pode receber são: a morte não existe, Deus o criou para a perfeição e lhe dá inúmeras chances de evoluir por meio reencarnação”, afirma Sônia Zaghetto, membro da Diretoria de Comunicação da Associação Brasileira de Divulgadores do Espiritismo (Abrade). “As obras espíritas trazem mensagens de coragem e fraternidade entre os homens”. Ary Dourado, presidente da Adeler, completa: “São livros que consolam, esclarecem e descortinam ao ser humano o caminho do auto-conhecimento e da evolução moral”, diz. “Eles respondem de forma lógica e racional aos porquês e para quês da vida”.

Diante da variedade de fatores, talvez a melhor resposta para a questão do início da reportagem seja a do motorista paulistano José Carlos Machado Rodrigues, católico praticante e simpatizante do Espiritismo. Quando perguntado porque gosta dos livros espíritas, respondeu com simplicidade: “é que eles explicam melhor o que a gente quer saber”.

Texto publicado no Especial
"150 anos do Espiritismo" Volume 1 (pág. 60),
do Almanque Abril, da Editora Abril.

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