ALÉM DO ESPIRITISMO, A CIÊNCIA DO SONHO - Parte 3

ORÁCULO
"Existe essa função biológica de reverberar as memórias do passado para simular o futuro possível", diz Sidarta. Surge então a teoria dos "oráculos probabilísticos". Os sonhos reuniriam informações prévias guardadas em nossa memória para simular um futuro possível. Quando o seu cotidiano é muito duro, muito violento, as imagens do sono se tornam um mecanismo para prever com maior chance como o amanhã deve ser. Porque você não pode errar. Se um oficial está na guerra, ele sabe que não deve passar em determinado lugar porque há um inimigo esperando. Nessas condições, aumentam muito as chances de o soldado ter o sono preenchido com cenas desse tipo.

O pesquisador finlandês Antti Revonsuo demonstrou o mesmo princípio quando comparou os sonhos de crianças que moravam no Curdistão e na Finlândia. Entre as crianças do Curdistão - uma região encravada entre o Irã, o Iraque e a Turquia, vítima de ataques com armas químicas durante o governo de Saddam Hussein -, a incidência de pesadelos foi muito maior que entre as finlandesas.

Em outro estudo realizado na Universidade de Wisconsin, ratos foram privados do sono REM (sigla para Rapid Eye Movement, ou movimentos oculares rápidos), período em que os sonhos acontecem predominantemente. Nessa fase, que ocorre de quatro a cinco vezes por noite, cada uma durando 20 minutos em média, nossos olhos se agitam debaixo das pálpebras. Outros animais analisados também tiveram o comportamento alterado pelo sono REM: mexem os olhos, o rabo, as patas. "Isso é a ativação da mesma consciência da vigília: sentem raiva, fome, medo, impulso sexual", diz Luciano Ribeiro Júnior. Ou seja, o sonho deve estar ligado a essas emoções e a acontecimentos cotidianos.

Após várias noites de sono sem o estágio REM, os ratos foram expostos a situações ameaçadoras similares a algumas que enfrentariam em seus hábitats. Resultado: em momentos nos quais era necessário apenas agir por instinto, os animais falharam em procurar abrigo e sair do campo de visão dos predadores, além de se mostrarem desorientados. Mesmo depois de receberem pequenas doses de anfetamina, que reverteria os efeitos se o problema fosse somente a privação do sono, o comportamento dos roedores não se alterou.

Descobertas como essa fizeram Antti Revonsuo concluir que "os sonhos exercem o papel de um campo de treinamento para comportamentos essenciais à nossa sobrevivência. Impedidos de sonhar, os ratos ficaram incapazes de ensaiar seu exercício". Para Morewedge, o mesmo acontece com os humanos. "A memória e o aprendizado são definitivamente prejudicados quando as pessoas não conseguem desfrutar do tipo de sono que está associado com o sonho."

POR QUE SONHAMOS?

A resposta à pergunta acima continua desconhecida. Mas entre os vários motivos já especulados pelas recentes pesquisas está a regulação de emoções e fatos aos quais damos importância, minimizando os sentimentos perturbadores. Outro é selecionar e armazenar informações na memória de longo prazo, formando uma rede de experiências relacionadas que podem ser úteis no futuro.

Não foram apenas os Beatles que se beneficiaram com isso. A tabela periódica, segundo relato de seu inventor, o químico russo Dmitri Mendeleev (1834-1907), surgiu durante um sonho. Mágica? Não, provavelmente durante o sono o cérebro do químico organizou várias informações com as quais vinha trabalhando.

Talvez essa aparente "função treino" esteja relacionada com a importância das imagens mentais para a memória e o aprendizado. Segundo escreveu Jonathan Winson, professor da Universidade Rockefeller, EUA, falecido no ano passado, os estudos sobre a função do hipocampo, do sono REM e de uma onda cerebral chamada "ritmo teta" mostram que os sonhos são o reflexo de um aspecto fundamental do processamento da memória. Esse mecanismo ajuda a transferirmos informação da memória de curto prazo para a de longo prazo. Na prática, a função teria um caráter evolutivo: avaliar as experiências e estratégias de sobrevivência, melhorando nossas performances em diversos aspectos da vida.

Luciano Ribeiro Pinto Júnior acredita que não há um motivo específico pelo qual sonhamos. "Tudo é fruto da atividade cerebral." Segundo o neurologista, há estudos que comprovam a ligação entre o sono REM, o sonho e a memória, mas isso está se ampliando, já que pesquisas mostram que em outras fases também há mecanismos ligados ao armazenamento de informação. "O sono REM é importante para a memória, o aprendizado e a atividade mental. O sonho é consequência disso", diz.

DE NOITE NA CAMA
Em uma pesquisa realizada pela Universidade de Carnegie Mellon com
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