CHICO XAVIER : ELE AINDA ESTÁ PRESENTE - Parte I

Como a memória do maior líder espírita do Brasil continua viva nas cidades mineiras onde ele construiu sua obra

Rodrigo Cardoso, de Pedro Leopoldo e Uberaba (MG)

Mensagem recebida por Celso Afonso atribuída a Chico Xavier

Francisco Cândido Xavier nasceu há 100 anos, em 2 de abril, em Pedro Leopoldo, e morreu oito anos atrás, em Uberaba. Cidades mineiras distintas – mais modesta, a primeira tem 60 mil habitantes, enquanto a outra, distante 510 quilômetros, é seis vezes mais populosa –, elas ostentam o privilégio de preservar viva a memória daquele que é considerado o apóstolo do espiritismo no mundo. Curiosamente, irão celebrar de forma muito diferente o centenário do médium. Em Pedro Leopoldo, de onde saiu por se sentir perseguido, a data será lembrada de forma festiva, com vários eventos. Em Uberaba, a cidade que o acolheu e projetou sua obra, a comemoração será silenciosa e quase envergonhada. O médium deixou sua cidade natal em 1959, aos 49 anos, depois que um sobrinho o acusou, por meio da imprensa, de inventar que psicografava. Aborrecido e perseguido por repórteres que passavam madrugadas na porta de sua casa, ele se cansou de dormir em bancos de praça e partiu, com a roupa do corpo, para o encontro de um amigo em Uberaba. Desde então, Chico visitava Pedro Leopoldo somente três vezes por ano.

MEMÓRIA
Eurípedes dos Reis, filho adotivo de Chico, transformou a casa dele em museu e livraria

Manteve essa rotina até 1987, quando passou o Réveillon e visitou o asilo da cidade. Na maioria das vezes, além de rever amigos e parentes, ele checava se estava tudo em ordem com a última casa que lhe serviu de residência e ficou abandonada desde sua mudança. O local, hoje, pertence a um grande amigo do religioso, o empresário Geraldo Lemos Neto, 47 anos, que a transformou em um centro de referência sobre a vida do médium, batizada de Casa de Chico. Desde 2006, 50 mil pessoas já visitaram a Casa, que passou por um processo de revitalização, mas ainda preserva quartos, banheiros e cozinha exatamente como Chico os deixou. Estão lá, por exemplo, as bandeiras de Minas Gerais e do Brasil que cobriram o caixão do líder espiritual em seu velório. A joia do local, porém, é o acervo bibliográfico. Neto possui todos os livros publicados pelo amigo (458) – muitos, da primeira edição – e outros 180 títulos escritos sobre o médium. “É pouco explorado, mas Chico tinha uma personalidade muito forte, principalmente quando não faziam suas vontades”, lembra o empresário, mostrando a banheira onde o mineiro gostava de se lavar. “Era assim também em relação à doutrina, tanto que se afastou de alguns amigos e centros.

Psicografias inéditas dele serão compiladas para a confecção de novos livros

” Vice-presidente do Centro Luiz Gonzaga, fundado por Chico em 1927, a professora aposentada Célia Diniz, 59 anos, recorda o dia em que ele lhe explicou a mudança repentina de cidade. “Chico disse: ‘Saí em busca de um clima mais ameno e porque a minha família não tinha culpa de ter um médium dentro dela. Ela teria a privacidade invadida onde quer que eu estivesse em Pedro Leopoldo’”, conta Célia. Da família numerosa – os Xavier eram 14 irmãos, fruto de dois casamentos de João Cândido Xavier –, apenas uma irmã de Chico, Cidália Xavier de Carvalho, 87 anos, está viva. O último dos irmãos do sexo masculino, André Luiz, morreu aos 91 anos, no final do ano passado. O médium não tinha parentes em Uberaba, mas se cercou de pessoas fiéis que respeitavam suas vontades e sua opção por uma vida desprendida de bens materiais. Na cidade mineira, em cada esquina tem alguém sempre disposto a contar um “causo” do líder espiritual. Poucos, porém, tiveram passe livre dentro de sua casa – transformada em museu e livraria pelo seu filho adotivo, Eurípedes Higino dos Reis – e desfrutaram da intimidade do hoje mito religioso. Barbeiro que atendia Chico em seu quarto, aparando-lhe a barba e cortando os cabelos de suas perucas, Belmiro Chagas Neto, 60 anos, solta uma sonora gargalhada ao relembrar a porção espirituosa do amigo. “Certo dia, uma pessoa perguntou a ele se fazia mal criar gato.

ESPÓLIO
O médium Celso Afonso, um dos mais procurados de Uberaba desde a morte de Chico.

E ouviu: ‘Sim, minha filha, para os ratos’”, conta Neto, que guarda todos os aparelhos de barbear usados no companheiro de três décadas. O religioso mineiro criava cachorros e gatos em seu quintal. Era comum vê-lo acordar às 6h, depois de varar a madrugada psicografando ou atendendo pessoas, para dar leite aos animais. Às vezes, quem o substituía nessa tarefa era Dinorá Cândida Fabiano. Durante 40 anos, ela foi um misto de cozinheira, enfermeira e massagista. “Todo dia, antes de eu ir embora, ele me dizia para não esquecer de colocar duas, três cadeiras no quarto dele. Acho que era para os espíritos sentarem”, conta. Aos 78 anos, Dinorá se emociona ao falar sobre o dia em que seu patrão, já com a saúde debilitada, a visitou no hospital de cadeira de rodas. E diz que “até de pôr o sapato no pé dele” sente falta. “Ele dizia para eu forrar com jornal para não passar frio.” Três pares de sapatos de Chico estão expostos no quarto onde ele deu o último suspiro, no dia em que a Seleção Brasileira se tornou pentacampeã do mundo, em 30 de junho de 2002. “Ele perguntou para mim: ‘O Brasil ganhou o jogo?’ Eu falei que sim e ele comentou: ‘Então, o Brasil está feliz. Que bom’”, recorda o filho Eurípedes. A amiga do médium, Kátia Maria, que se afastou do trabalho nos últimos três anos da vida de Chico para dedicar-se em tempo integral ao líder espiritual, conta que Ti-Chico, como ela o chama, avisou a todos que partiria no dia em que o País estivesse bem feliz. “Às 19h20, enquanto eu media a temperatura dele, Ti-Chico morreu no meu colo”, diz ela, que nunca foi espírita.

Geraldo Neto, que criou um centro de referência do espírita em Pedro Leopoldo, cidade natal dele

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