ATOR DIZ QUE APRENDEU COM O ESPIRITISMO


Jayme Matarazzo chega a se confundir com Daniel, protagonista que interpreta em Escrito nas Estrelas. Na reta final da trama que reergueu a audiência do horário das seis da Globo, o ator se expressa com a mesma docilidade e uma certa ingenuidade que parecem "emprestadas" do personagem que passou quase toda a história de Elizabeth Jhin tentando entender porque morreu tão jovem. Com um discurso de bom moço como seu personagem, Jayminho, como é chamado por ser filho do diretor Jayme Monjardim, garante que ainda se surpreende com os rumos de sua carreira como ator. Afinal, mal estreou na minissérie Maysa, no ano passado, e este ano já conseguiu interpretar dois protagonistas. Além do Daniel, este paulistano de 24 anos estreia em outubro nos cinemas com o longa A Suprema Felicidade na pele de Paulo, um jovem que vive nos anos 50 e 60 todas as descobertas da juventude. "A vida me mostrou que a gente não pode ficar muito ansioso. Tudo acontece com calma. Meu foco agora é conquistar outras oportunidades de fazer o que gosto. Quero merecer mais trabalhos na Globo. Ainda sou um moleque", assume o ator, bagunçando os longos cachos do personagem.

Duas das maiores paixões de Jayme Matarazzo são o cinema e os esportes. O ator, que já fez cursos de Cinema no exterior, teve de trancar a faculdade de Cinema na FAAP, em São Paulo, na época que começou a gravar a minissérie Maysa. Mas já faz planos de voltar à faculdade após passar um tempo viajando pela Europa com o término da trama das seis. Enquanto as gravações não terminam, o ator continua apenas praticando um de seus esportes favoritos, o futebol. Depois de se aventurar em vôos de asa delta e a prática do rapel durante um período, o ator tem se deliciado com as gravações de seu personagem Daniel em locais propícios aos esportes radicais, como o Morro do Pão de Açúcar ou a Pedra da Gávea, dois dos maiores cartões postais do Rio. "Gosto de emoção, de adrenalina, mas não sou tão aventureiro. Mas agora quero investir em estudos, boas leituras, roteiros e muito conhecimento", avisa.

Antes mesmo de pensar em fazer cinema e muito antes de planejar ser ator, um dos maiores prazeres de Jayme Matarazzo era soltar a voz. Na adolescência, o ator já seguia um caminho artístico ao ser vocalista da banda paulistana Seu Bené e Os Poetas da Malandragem. O grupo foi formado por amigos de infância e do colégio de Jayme durante sua juventude na capital paulista. "Sempre soube que meu caminho seria trabalhar com arte. Também já me interessei muito por fotografia. Todas as formas de criação me interessam", avalia.

- Como tem sido fazer uma novela inteira como um personagem morto?

- Tem um lado engraçado e, ao mesmo tempo, esquisito, que é construir um personagem inspirado em nada concreto. Não dá para conversar com alguém como o Daniel ou perguntar para um morto como é depois da morte. Foi mais difícil por estar começando na carreira, por ter um personagem grande com uma mensagem interessante de fé e esperança. E passar a ideia de que a vida pode existir após a morte. Isso traz uma responsabilidade e uma carga emocional diferente de um personagem que está vivo. Quando se pega personagens atípicos como esse, o ator se exercita bastante, põe sua criatividade em cheque.

- De que forma você se preparou para esse papel com o foco no espiritismo?

- Passei a estudar a doutrina porque eu não tinha contato com essa religião. Desconhecia quase tudo. No começo da novela fiz um grande laboratório sobre o tema. Fui atrás de muitas coisas, li muitos livros do Chico Xavier, do Allan Kardec, troquei muitas ideias com o (ator) Carlos Vereza, que há anos é um espírita estudioso, assim como várias pessoas da equipe da novela. Também fui visitar centros espíritas. Fui descobrindo os ingredientes. Ter visitado esses centros ao longo da novela foi importante porque o personagem passou por várias mudanças. Ele teve um momento onde a maior questão era descobrir o sentimento de uma pessoa que acaba de morrer e não sabe o que está acontecendo. O segundo momento foi entender como esse espírito vai se conformando. Agora estou na fase onde o espírito está confuso, obsessivo, perdido em sentimentos humanos e tendo de se livrar deles. São várias etapas que o personagem está passando dentro desse caminho espiritual. A cada dúvida que tenho, sento com o Vereza e falo: "e aí? O que faço?" (risos).

- De mocinho, o Daniel está tendo atitudes de vilão com essa mudança de personalidade nessa reta final. Como você analisa essa transformação?

- Ele se enfiou num caminho perigoso, de não ouvir os conselhos de quem estava com ele. Ele é um menino que, vivo ou morto, tem a cabeça de um garoto que ainda não sabe muito sobre a vida. Ele sofreu para entender que morreu e ainda padece por ter morrido tão cedo, a troco de nada. O bonito da história é que agora ele descobre o porquê da decisão dele mesmo de ter desencarnado tão jovem. Existe um segredo aí que vai ser revelado. A opção de morrer cedo foi dele. Ele vai descobrir isso e espero que se conforme. Mas, em momento algum, ele vai ser mau. Ele apenas defende o amor que tem pela Viviane (personagem de Nathália Dill). Está cego de amor. Várias pessoas passam por isso na vida, não sabem mexer com isso. É uma explosão de muitos sentimentos ao mesmo tempo. Morto é pior ainda.

- Desde o início da novela você recebeu muitas críticas em relação à sua atuação. Como lidou com elas?

- Não senti muita pressão da crítica. Não acho que todos os holofotes se viraram para mim. A trama tem vários acontecimentos muito maiores do que o Jayme estar estreando como protagonista. Eu realmente me enfiei num estudo aprofundado, me enclausurei em casa porque necessitava me concentrar. Ouvi poucas críticas ruins. A novela se encaixou, não fui eu que me encaixei ou dei certo. A novela funcionou desde o início, foi verdadeira, orgânica, próxima da realidade, mesmo com um assunto diferente. Sempre deixei claro que eu estava encarando esse papel com o coração e a mente aberta, com humildade, querendo aprender. Não quis atropelar nenhum passo. Fui aos poucos. Poderia ter chegado com olhares desconfiados de todos, mas isso não aconteceu. Fui abraçado por uma equipe, um diretor (Rogério Gomes, o Papinha) e uma autora que confiaram em algo em mim que eu mesmo não tinha enxergado. A partir do momento que você tem um voto de confiança de tantas pessoas qualificadas, ganha combustível para fazer o melhor. Desde pequeno fui ensinado a fazer tudo de alma entregue, porque isso é metade do caminho andado.

- Como é a relação do seu pai com o seu trabalho como ator? Ele influencia de que forma na sua carreira?

- O único toque que ele me dá é sempre fazer tudo com o coração. Ele usa um método para extrair a emoção do ator fazendo com que cada um encontre o personagem dentro de si para fazer com que ele seja verdadeiro, orgânico. Foi isso que ele fez comigo. A cada cena que ele gostou ou desgostou, veio com esses toques. Não falamos sobre a levada do personagem e ele não me dá conselhos técnicos. Ele deixa na minha mão. Mas fala que tenho de entregar minha alma em cada tomada. Ele fala: "essa cena foi boa porque você passou isso no seu olhar". São toques de como estou levando o personagem. Ele faz isso desde que me dirigiu em Maysa.

- Você virou ator por insistência do autor Manoel Carlos, que pediu para que você fizesse testes para interpretar seu pai na minissérie Maysa. Como aconteceu?

- Ele foi um dos grandes culpados por eu ter seguido e investido na carreira de ator. O Maneco, por sua visão, e o (cineasta) Arnaldo Jabor, pelo que me ensinou enquanto me dirigia em A Suprema Felicidade.

- Este filme é seu primeiro longa como ator e está prestes a estrear. Como foi esse trabalho?

- Foi demais! Me surpreendi muito com o Jabor. Ele tem uma imagem de ser durão e sério, mas foi um dos caras mais doces que conheci na vida. É humilde, um paizão. Vivemos cinco meses nos vendo todos os dias. Extraí o máximo sobre cinema, direção e atuação com essa relação. Foi um intensivão com um cara que respeito muito. Fizemos uma preparação para o filme de dois meses e meio e filmamos durante dois meses e meio. Convivíamos por várias horas por dia. Tudo de bonito que aconteceu na minha vida como ator foi sem que eu esperasse. Estava trabalhando na assistência de direção de Maysa e fui chamado para atuar. Fui convidado para fazer um teste no filme dele e passei. Virei protagonista de novela num dia que estava andando pelo Projac e uma produtora de elenco me puxou para fazer um teste, que fiz sem nenhuma pretensão.

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