SE TIVÉSSEMOS ESCOLHA, RECUSARÍAMOS A MORTE

O ônibus de excursão levava 47 pessoas de Linha Salto para disputar um campeonato de bolão no Paraná, mas a viagem acabou no meio do caminho.

Se tivéssemos escolha, certamente recusaríamos o momento da morte. Ninguém quer se despedir da vida, nem dos amigos, quanto mais da família. O que dizer quando a morte chega para 29 pessoas ao mesmo tempo, todos amigos e parentes? Foi a tragédia que, em março de 2011, marcou para sempre uma pequena comunidade de 300 habitantes, no interior do Rio Grande do Sul. 

O ônibus de excursão levava 47 pessoas de Linha Salto para disputar um campeonato de bolão no Paraná, mas a viagem acabou no meio do caminho, em Santa Catarina, com um acidente violento. Um caminhão de madeira capotou, esparramando a carga nas duas pistas. O ônibus não teve como desviar. 

“Eu quebrei o braço, foi tirado o baço e cinco costelas. O meu pulmão afetou bastante também. Perdi meu pai, irmão, cunhada e mais três tios", lamenta o funcionário público Michael Jose Schmidt. Entre os mortos estava um dos irmãos da naturopata Dirhce Maria, o Moacir. Ela ainda não sabia do acidente quando acordou de madrugada, mas viu e ouviu dentro do quarto o que nunca mais vai esquecer. “Eu estava ali na cama bem pensativa e de repente quando vejo, abro os olhos, ele está parado na minha frente. Como se fosse de carne e osso. Normal. Ele aqui e o nosso amigo aqui, e ele dizia: ‘essa é a pessoa que eu trouxe para nos ajudar’”, afirma Dirhce.

Dirhce nem teve tempo de reagir. Moacir deu o recado e desapareceu. "Ele dizia: ‘tudo o que você precisa, você pergunta para ele. Esse cara é o cara que eu confio, e é o cara certo para nos ajudar, para nos assistir, para ficar com a gente’. E eu não entendi nada.” Dirhce dormiu mais um pouco e quando acordou às 6h para estudar, mal teve tempo de escovar os dentes. No telefone, a cunhada começava a dar a triste notícia. "Ela disse: ‘o ônibus virou, estou te ligando para avisar, tem muita gente muito mal, muitos feridos, inclusive muitas mortes’. Eu disse: ‘meu Deus! E a minha mãe?’. 

Quando eram 6h30 eu fui então para buscar a minha mãe. Quando eu abri a porta para sair, tocou o telefone, o meu celular. Eu olhei e era o Alceu, o cara que ele me apresentou no sonho." O contador Alceu Riffel, um amigo de infância, não estava na excursão porque acompanhava a mulher em outro compromisso. Foi ele mesmo o comandante do mutirão que organizou o funeral coletivo. Transportou os mortos, transferiu de hospital os feridos e consolou as famílias nas primeiras 48 horas. 

Justamente o Alceu, que vivia há um ano de luto pela morte de um filho e da nora, e que naquele dia perderia mais sete parentes. “Eu só rezava e pedia ajuda para não desmoronar, não precisar chorar na frente das pessoas. Mas tentamos e conseguimos fazer o que nós poderíamos ter feito para colocar todos esses seres, esses amigos, na sua última morada", diz Alceu. A funcionária pública Aline Hammes, que estava no ônibus e sobreviveu à tragédia, também sonhou com Moacir. Mas desta vez ele não falou nada. 

"No meu sonho, a gente tinha sofrido o acidente, só que ele estava ileso. Estávamos eu e o Fernando, meu marido, em um lugar que eu não conheço, não sei onde é, a gente estava parado. Lá adiante chegou o Moacir. Ileso. Intacto. Como se nada tivesse acontecido. Quando eu acordei eu comentei: ‘por que o meu sonho não pode ser realidade?’ Porque ele era uma pessoa fantástica", diz Aline. 

Moacir nasceu em Linha Salto e dedicou grande parte da vida ao trabalho social com a comunidade. Um dos últimos sonhos dele foi inaugurar a ampliação do clube recreativo. Ele insistiu nessa inauguração duas semanas antes do acidente. “Ele tinha uma vontade muito grande de fazer uma pré-inauguração. Ele insistiu em inaugurar só a pista de bolão”, lembra Adelmo Kraemer, presidente do Clube Recreativo de Linha Salto. Essa é realmente uma daquelas histórias com muitas coincidências, que na verdade começa cinco dias antes, com um pesadelo. 

"Eu vi esse sonho, esse pesadelo, o ônibus todo arrebentado, vários corpos estraçalhados, e uma carreta virada”, assegura o pedreiro Aristeo Jacobs. “Vi isso no sonho. Eu não tive coragem de falar para ninguém.” Teria o nosso cérebro capacidade de prever o futuro? Ainda não dá para saber se o que aconteceu com Aristeo foi apenas sonho ou uma forte premonição. Hoje, a saudade dos mortos em Linha Salto é aliviada com a esperança de que a vida continua em algum lugar.

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