Pai, a primeira coisa que eu pensei, olha que engraçado, foi nos filhos que eu ainda não tenho. Mentira, a primeiríssima foi na mãe. Ela sempre foi o centro das minhas preocupações. Tão boa, tão sentimento. Ela absorve os problemas do mundo e ainda se culpa se não consegue resolvê-los. Tu sabe. Ela é um anjinho.
A primeira coisa que eu pensei foi em como confortar a mãe. Como convencê-la de que é, sim, uma merda te perder. É a maior merda que poderia acontecer com a gente (sabe que, às vezes, eu tentava fazer um exercício mental de imaginar que tu tinha ido embora pra tentar me preparar caso acontecesse, e eu nunca consegui levar a ideia adiante. Agora eu sei por que), mas que tudo bem, porque valeu muito, muito, muito a pena. Que nós formamos uma família linda por 30 anos. Uma família que se amava muito — e se distribuía eu te amos sinceros o tempo todo — uma família que ficava junta não por que dividia o mesmo sangue, mas porque dividia os mesmos amores, as mesmas diversões. Éramos como se fôssemos amigos, porque família não se escolhe, mas tenho certeza de que, se pudéssemos, entre todas as pessoas do mundo, teríamos escolhido exatamente uns aos outros. Mas, volta, pai, que eu tava falando dos meus filhos.
Eu nunca quis ter filhos, tu sabe (tu sempre soube tudo sobre mim). Também nunca tinha pensado em casar. Quando eu soube que tu não tava mais com a gente, eu pensei nos meus filhos. Pensei em como vai ser injusto ter que contar pra eles do vô Valmor. Eu queria tanto que eles conhecessem o vô Valmor… e eu não consigo nem imaginar — tá além da minha capacidade de entender e perceber o mundo; a tua era bem maior que a minha — o avô maravilhoso que tu seria. Ah, pai… tu sempre era o melhor em tudo. Imagina com os bacuri? Ia ser lindo. Tá aí uma memória que nós não vamos ter. Mas tudo bem.
O meu maior problema com essa história do vô Valmor, pai, não é ter que contar, não é não poder construir as poucas memórias que nós não temos juntos, não é não te ver de cabelinho branco segurando um filho meu no colo. O problema é que eu nunca, nunca, nunca, não importa o que eu diga, quantos idiomas eu fale, quantos livros eu leia, quantas histórias nossas eu lembre: eu nunca vou conseguir fazer jus à maravilha que tu foi. Nunca. Isso me dói um pouco: a minha incapacidade de te traduzir.
Tu não era desse mundo, meu paizinho. Sabe, acho que foi justamente por isso que tu te foi. Teu coração era tão grande, tão grande, tão grande, que não coube no teu peito. Vou dizer isso pros meus guris, quando eles vierem. Vou contar que o avô deles é — porque ainda é — a criatura mais bonita, gentil e inteligente que já pisou nesta Terra. E tenho certeza de não vou estar, nem por um segundo, mentindo.
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